Perdão não é coisa de gente santificada, abnegada ou perfeita. Perdão
é coisa de gente esperta, descolada, evoluída .Ou pelo menos deveria ser...
Só que não. A maioria das pessoas perdoa com as intenções erradas ,têm
uma relação dúbia com o perdão: admiram quem perdoa ao mesmo tempo em que
as consideram como,digamos ; ridículas, otárias mesmo. Na verdade um misto de
otário e legal.
Mas ser um otário legal pode render dividendos. Alguém que pratique o
perdão social , aquele, por exemplo, do(a) traído (a)que perdoa uma traição e todo mundo sente por ele(a)
admiração e pena ao mesmo tempo, que aceita as traições do(a) cônjuge ,
alegando que sua religião , o
padre ou o pastor o tenha aconselhado a perdoar - colhe certos
frutos - afinal , não precisará se separar e dividir os bens e rebaixar seu
poder aquisitivo , além de ficar “bem na fita” , despontando socialmente
como criatura abnegada , quase santificada... ... embora ,
pessoalmente , tenha de engolir: a dúvida , a desconfiança (que depois
deste “perdão” será eterna , porém devidamente disfarçada) e a possibilidade
de demonstrar a frustração que sentirá (afinal, perdoou e tem de
manter seu teatro)até , provavelmente, o final de seus dias.
A religião parece ser realmente muito importante na vida
das pessoas....Oferece o álibi perfeito
para quem não está muito a fim de mudanças ou com preguiça de mudar , ou ainda,
já se considera "naquela" idade em que mudar se apresenta como algo
bastante complicado. Alguém falou em fé? Não , religião.
Aliás, falando-se ou não em fé, também tenho a minha. Ela não
move montanhas ( bem, na verdade não tentei, ainda...) mas é a
minha fé. Tenho lá algumas crenças, porém sou avessa a
religiões , dogmas ou formalismos religiosos de toda sorte. Eles só diminuem
a experiência com o divino , creio eu. Mas, ainda no que se refere à fé , a
minha sempre tentei experienciá-la de maneira racional ,
embora haja quem não entenda como pode vir a ser isso. Bem , vou tentar
explicar, voltando ao perdão.
As explicações acerca do perdão ,sob a ótica do divino,
que mais me cooptaram ( não pela historinha moralizante que
me obrigue a crer em um enredo que ,apesar de verossímil , é quase
sempre fantástico demais ou tem apenas um caráter
“parabolesco-didático” - e que portanto carece de ser crível no terreno
da lógica) mas pela , digamos , “verossimilhança-lógica” (vou
chamar assim),foram as da doutrina espírita kardecista , por exemplo (que
ainda assim, doutrina,e portanto –para meu espírito livre - desnecessária ),
na qual a questão do perdão fica perfeitamente explicável sob o ponto de
vista do imponderável religioso :
No kardecismo exercita-se o que chamo de lógica doutrinário-religiosa,
como esta acerca das reencarnações (equívocos - consequências - reparações -
aprendizado).
(...) “...O que ocorre é que a existência do espírito é única; as
existências corpóreas é que são múltiplas, mas o ser integral é sempre o mesmo.
As múltiplas existências corpóreas cumprem a finalidade de estágios de
aprendizado, na verdade degraus de aperfeiçoamento.
Como estamos todos em aprendizados, cometemos equívocos. Tais
equívocos geram conseqüências. Tais conseqüências podem redundar em prejuízos
para nós mesmos ou para terceiros. E tais prejuízos devem ser reparados. Isto é
das Leis Divinas.
Tais reparações nós as devemos à nossa própria consciência, à vida. E,
neste processo, podemos nos encontrar em situações aflitivas, decorrentes todas
dos equívocos que nos envolvemos.
Porém, tudo isso, não se refere a outro ser que viveu noutro tempo e
que, aparentemente nenhum vínculo com ele mantemos. Não! Somos nós mesmos que
agíamos nesta caminhada de aprendizados e que trazemos nas lembranças e
registros, ainda que inconscientes, a necessidade dessas reparações que ora se
apresentam na atualidade consciente que estamos vivendo.
Assim funciona a Lei da Reencarnação. Os filhos de Deus estagiam em
diversas existências corpóreas (visando o próprio progresso, repetimos),
habitando países e corpos diferentes, mas a individualidade é a mesma, razão
pela qual carrega consigo seu patrimônio moral e intelectual, bem como as reparações
devidas aos equívocos praticados com prejuízos para si mesmo ou para terceiros.
Então, não se trata de uma questão de pagar, mas de conquistar a paz
de consciência. Quando constatamos, antes da presente encarnação, que
prejudicamos alguém ou a nós mesmos, solicitamos que a próxima encarnação
propicie os mecanismos de reparação.
Esses mecanismos podem apresentar-se com a aparência de enfermidades,
limitações físicas, dificuldades materiais, obsessões, entre outras.
E a visão distorcida sobre os princípios espíritas gera a errônea
ideia de que estamos no mundo para pagar... Renascemos simplesmente para dar
continuidade ao processo evolutivo. Mas, como ontem (aqui significado
existências corpóreas) nos alimentamos em excesso, hoje (atualidade que estamos
vivendo da presente encarnação) poderemos estar enfrentando uma forte dor de
estômago ou até uma incômoda diarreia, simplesmente como conseqüência imediata
da gula. Agora peço ao leitor substituir o exagero da alimentação pelas
diversas situações que podem ser imaginadas, em outros exemplos. O exemplo da
alimentação é apenas comparativo.
Assim também nos prejuízos, de qualquer ordem, causados a terceiros.
Criamos vínculos com eles e os trazemos em nós através de
conseqüências que também podem ser apresentar com diversas aparências. Isto é
apenas a reação de uma ação.
E o assunto ainda pode ser ampliado na visão dos aprendizes
negligentes.
Negligência no passado ou mesmo no presente. Tarefas adiadas,
desprezadas, abandonadas... Tudo traz reflexos. Afinal colhemos hoje as ações
de ontem e estamos continuamente semeando para o amanhã.
Por outro lado, a título de ilustração do assunto, solicito ao leitor
considerar também que nem todo equívoco passado pode apresentar-se atualmente
através de dificuldades. Muitas vezes, equívocos podem ser reparados através de
trabalho e dedicação a causas e pessoas. Isto tudo porque, conforme já sabemos,
‘o amor cobre a multidão de pecados’ “.
http://www.redeamigoespirita.com.br/profiles/blog/show?id=2920723%3ABlogPost%3A1177850
Assim, a questão do perdão vai mais além do simples perdoar. Afinal, o perdoado - exatamente por ter recebido o perdão - tende a acreditar que escapará desta
possível aprendizagem/reparação futura (nesta ou em outras supostas vidas); até por que , aceitar
que o que se faz a alguém , mesmo tendo sido perdoado (inclusive
por um Deus religioso de qualquer religião), será posteriormente
revisado e reparado é bastante complicado . Para " o perdoado",é aterrorizante admitir
que haja - mesmo após o perdão- REPARAÇÕES DEVIDAS AOS EQUÍVOCOS COMETIDOS , como forma de aprendizado/evolução.
Difícil aceitar que ainda se deva algo à dinâmica do universo, mesmo após
ter sido convenientemente perdoado por alguém ou por um Deus qualquer.
Isto é
nitroglicerina pura a implodir as certezas religiosas mais consolidadas do
"faça hoje e seja perdoado por Deus amanhã".
E eu que pensei que o espiritismo era mesmo rejeitado por suas assustadoras explicações e ocorrências acerca dos espíritos...
Que nada !
O medo é bem outro !
Mary Lúcia Oliveira.