A linguagem é mais poderosa do que usualmente percebemos.
A língua de um povo pode ser utilizada, por
exemplo, como instrumento de dominação sobre outro; bem como, resistir à assimilação de uma língua , em
casos de guerra, pode significar a sobrevivência de uma nação e sua cultura.
Mas há processos bem menos óbvios que, para serem
notados, seria necessário não apenas o exercício da observação como, na maioria
das vezes, ser vítima (consciente) deles ; haja vista, a título de exemplificação,
o processo contínuo e nefastamente “lúdico” de rebaixamento social da mulher por
meio da linguagem, representada principalmente pelas piadas e palavrões machistas (
instrumentos machistas)e suas implicações práticas na organização social ainda
muito patriarcal , embora em transição.
“Lá vem ela de novo com seu blá- blá - blá feminista !" Não ,
leitor, estou falando de humilhação , de injustiças e de violência. Contra a
mulher apenas? Não , caro leitor, como já mencionei outras vezes , há respingos
e rescaldos por toda parte...
"FODA-SE MACHISTA DE MERDA ! "
Constatada a obviedade do machismo em certas
piadas , vamos analisar os palavrões (palavrão é linguagem? Ô se é !!!) mais
comuns quando queremos xingar alguém de
modo geral:
Quando se xinga tanto homens quanto mulheres(especialmente homens) :
- Filho da puta !
Quando se xinga apenas mulheres:
- Mal- amada!
Para um bom
observador,salta aos olhos que a ofensa no caso do“Filho da
puta!” e do“corno!" não
é exatamente direcionada ao ser a quem se quer ofender. Ofende-se
basicamente aí , a mulher que
deu origem à criatura a ser ofendida, ofendendo-se a moralidade de sua
progenitora. Entretanto , o homem ainda se sente ofendido , e por quê ? Está
bem escondido, mas está lá, tanto nos vocábulos quanto em suas reais intenções:
ofender não a pessoa do macho em questão,mas sua incapacidade de se cercar de
mulheres que não sejam “vadias” .Ou seja, o referido macho estaria com os seus brios de macho ferido por não
ter executado sua tarefa de controlar
suas fêmeas direito. Enfim, em nossa sociedade, para
se ofender o macho deve-se rebaixar a(s) fêmeas que o cercam – não ele.
Já no caso específico das ofensas à mulher, a intenção é mais
clara : punir socialmente a sexualidade feminina , controlá-la , ou fazer com que ela se acredite inferior (mal-amada) por
supostamente não ter as atenções do ser masculino , privilegiado pela linguagem
machista de uma sociedade ainda muito patriarcal, apesar de todos os
avanços trazidos pela luta feminista.
Apesar de tais constatações , quase sempre que se mencione procedimentos linguísticos de controle social da
mulher e a necessidade de mudanças neste campo , aparece alguém - tanto o machista quanto a
fêmea equivocada/controlada - para dizer
que isso é exagero , coisa de feminista “mal-amada”, num contínuo celebrar da sexualidade
masculina em detrimento da feminina (vigiada e punida). Entretanto, nada pode ser mais machista e retrógrado,impedindo
que a sociedade se torne melhor e mais
evoluída .
Infelizmente, a típica e
retrógrada frase “...prenda suas cabritas
que meu bode está solto” , ainda é atual e constrangedoramente repetida , assim como as piadas e palavrões machistas, até e
infelizmente , pelas fêmeas controladas
e vítimas desse sistema.
Mary Lúcia Oliveira.
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