Reflexo de tempos “facebookianos”
e “selfiecescos”, estaria a literatura contaminada pela sociedade
imediatista – hedonista – voyerista - ou seria
apenas vida, tecnologia e arte que seguem , juntas, construindo nossa
identidade cultural, ressignificando padrões estéticos e comportamentais?
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Fonte da Imagem:
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Temos uma
necessidade cartesiana de nomear, qualificar, detalhar e
medir o imensurável.
Em literatura não é diferente, necessitamos demarcar no tempo as ocorrências
literárias, por mais problemática que seja tal periodização no estudo desta . Quando professora, por exemplo, sempre
fora complicado explicar a meus alunos
o período literário em que estaríamos inseridos.
Desenhos : Pawel Kuczynski
Brincávamos que
estávamos no período “facebookiano/selfiecesco/ultramoderno”.
É bastante difícil opinar acerca daquilo que ainda se
está vivendo, correndo-se o risco da parcialidade. Os historiadores, em geral,
preferem denominar os períodos a partir de 30 anos após a época em que foram
produzidos os textos ; daí a dificuldade natural de nomear um período enquanto
se está nele. Igualmente complicado é saber a quantas andam as tendências
atuais na literatura... ... e na sociedade.
Desenhos : Pawel Kuczynski
Li
recentemente uma matéria bastante interessante (perdoem-me...já não me recordo
mais da fonte) acerca das tendências literárias no cenário brasileiro e global.
Nesta, vários especialistas opinaram, chamando-me a atenção um enfoque baseado
no livro : Contingência, ironia e solidariedade, de Richard Rorty, em que o autor fala de hermetismo e engajamento,
partindo da premissa de que existem dois tipos de linguagem literária
(linguagem transparente e linguagem complexa) e dois tipos de conteúdo
literário (conteúdo subjetivo e conteúdo político); sendo que livros de conteúdo subjetivo seriam
os imersos na mente do sujeito e os de
conteúdo político aqueles que tratam das
questões sociais.
Segundo esta matéria , já se poderia dizer que a tendência
quase dominante hoje na literatura seria a dos livros , tanto em prosa quanto em
verso, de linguagem transparente e conteúdo subjetivo.
Traduzindo: livros que
abordam a experiência cotidiana do autor, fazendo assim ,da
crônica , o gênero literário do momento, dado
seu caráter realístico , podendo
desdobrar-se em conto-crônica, em poema-crônica e até em romance-crônica ; além
dos contos e romances autoficcionais , levando-se em conta a verdade biográfica do
ficcionista - vista como um valor de autenticidade ,de natureza confessional, autobiográfica, passando para o leitor a ideia
de que ele esteja mergulhado numa
história verdadeira; na vida real de uma pessoa de carne e osso - esquecendo-se
o leitor , por vezes, de que estaria lendo um livro, podendo , inclusive ,
submergir numa ilusão compartilhada com o autor de que o protagonista
viesse a ser esse próprio autor.
Esta tendência ou necessidade que algumas
pessoas (hoje, aparentemente a maioria) têm de experienciar o real , parece fazer com que o leitor tenha um esquecimento momentâneo
de que esteja lendo um texto e sim bisbilhotando , mergulhando na vida “real” de
alguém, como ocorre nas redes sociais.
Fonte da imagem:
http://lounge.obviousmag.org/ligia_boareto/2015/05/24/facebook-curtir-e-nao-curtir.jpg
Desenhos : Pawel Kuczynski
Presumivelmente , este apreço - por vezes ingênuo - pela “realidade/verdade” é
que estaria “salvando da falência a literatura brasileira”, bastando para
tanto , segundo a matéria, vermos a lista de
vencedores dos principais prêmios literários dos últimos anos,
retrato dessa aparente tendência.
Já na poética, hoje, o verso que parece
interessar não é aquele repleto de regras e cânones do passado. Agora , a
poesia lida , em sua maioria, parece estar
sem grandes pretensões acadêmicas, sem firulas elitisantes ,visto que não esteja sendo lida apenas por poetas , acadêmicos ou pesquisadores,
mas sim, por quem se interessa pela existência cotidiana , acessível, bem-humorada ,que pode ser “curtida” e
comentada nas redes sociais(porque
entendida ) . O eu lírico parece ter cedido lugar à conversa descontraída,
sem grandes explicações, bibliografias
ou notas de rodapé.
Parece, enfim, haver um interesse exacerbado pela
verdade do real, do aqui e agora , aproximando-se de uma simplicidade que -
aparentemente - beiraria o simplório ; com as devidas escusas à redundância.
Mas,de onde viria esta aparente tendência
de experimentação do simples,do agora ,do "real" ?
Um desavisado imediatista diria logo que se trata
de mais uma consequência de uma educação ruim. Será ?
Explicações imediatistas geralmente não se
sustentam ou , pelo menos , necessitam de algo mais para tornarem-se
minimamente coerentes . Assim, como quase que por associação, lembrei-me
do "mundo líquido” de Bauman , e algo , do alto de meu “achômetro”, começou a
fazer sentido .
No mundo ”líquido” de Bauman (Zygmunt Bauman, sociólogo polonês), no qual os
relacionamentos hoje seriam
massivamente virtuais , pouco
reais e sem uma duração consistente ; talvez o indivíduo seja levado – pela
própria ausência do tangível - a uma
busca de algo mais concreto a que ,
provavelmente , a literatura realística de
fatos cotidianos (ainda que forjados por um exímio
autor-protagonista-testemunha ) esteja
suprindo .
As cenas corriqueiras , presentes no” facebook”
, “instagram” e redes sociais diversas -
no geral triviais e
predominantemente fúteis- imitam o
cotidiano mas com uma roupagem maquiada de “glamour”, gerando uma falsa interação que , apesar de
importante , não faz com que tais cenas
tenham o “status” de verdade da “realidade/simulacro” desta literatura que emerge.
Estaríamos regredindo literariamente ?
Ainda não
sei dizer e talvez não venha saber... não nos próximos trinta anos...
Mas penso
que algo parecido possa ter ocorrido com os artistas dos idos da “Semana de Arte Moderna de 22” , por exemplo,
quando grandes literatos da época criticaram ferozmente os arroubos
antropofágicos desses artistas e escritores que – igualmente na contramão do que estava posto como certo e
“ normal” , fugindo completamente dos padrões tradicionais que influenciavam os artistas até então -
modificaram não só a estética e a
literatura como principiaram uma
renovação de costumes.
Provavelmente, o “Abapuru” de ontem, possa
ter assustado tanto quanto os versos livres e descompromissados de hoje...
Lobatos que o digam !
http://www.estudioaliento.com.br/attachments/Image/livros_mouse.jpg
Mary Lúcia Oliveira
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