Sou de uma época em que segredo a dois não era mais segredo, por óbvio. Porém, escondê-lo consigo mesma costumava ser suficiente ou , existindo provas materiais ( fotos, filmes, cartas...) , bastava guardá-las devidamente em algum cofre , gaveta ou baú com chave...). No máximo seria conhecido após sua morte ou por um descuido qualquer ou azar .
E nossos
“micos”? Ah ! Ficavam registrados apenas em fotos físicas ou em filmes
sobre os quais tínhamos algum poder de ocultá-los e que , um dia , seriam
esquecidos ou se deteriorariam ou não
existiriam mais aquelas tecnologias ultrapassadas para que fossem revistos ;
haja vista o quase fim nada trágico da fita cassete , da fita VHS de vídeo, das
fotos impressas ... Bons tempos aqueles
!
Mas, e essa nova
geração ? Daqui a alguns anos, quando já tiverem aquela noção - que só o tempo
dá -
de que pagamos alguns “micos” dos quais nos arrependemos depois de algum
tempo e a vida inteira , terão eles a chance de ter seus
micos devidamente guardados em
algum lugar esquecido do passado ? Talvez não.
Com o advento da
internet e dos fotógrafos amadores via
celular(todos nós), nada passa impune e os micos se tornaram retroativos e
cíclicos . Ao menor deslize seu - e
convenhamos , a juventude é a época mais propícia e fecunda aos deslizes - lá estarão a internet e os tais “fotógrafos”
, a postos , para registrar o evento apoteótico de auto-humilhação e o tornar inesquecível , persistente e recorrente.
Pouco tempo atrás
, vergonha alheia (aquela vergonha que você sente ao presenciar alguém fazendo
algo constrangedor ) era um sentimento bastante comum. Quando sentimos
“vergonha alheia” , algumas células de
nosso cérebro simulam tudo que está acontecendo a nossa volta, dando a sensação
de que estamos fazendo aquilo que está sendo presenciado e , por isso ,
sentimos uma certa vergonha imediata ou vergonha alheia, servindo para que
você pense duas vezes antes de sair fazendo qualquer coisa em público. Mas este
sentimento parece estar desaparecendo e dando lugar a uma espécie de prazer
mórbido de reproduzir a cena “ad eternum” e , por mais estranho que pareça , na
maioria das vezes, com um certo consentimento tácito da “vítima” - como se
visse em seu “fotógrafo” o mentor de seus quinze minutos de fama – cada vez
mais necessários para a existência desse “novo ser
moderno” ; ainda que isto o leve
aos píncaros do ridículo e venha
persegui-lo por décadas.
Não costumo ser saudosista, mas tenho a impressão de que já fomos humanos melhores....
... ao menos nisso...
Mary Lúcia Oliveira.
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