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Colunista:

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domingo, 19 de julho de 2015

Antropofagia Feminina



Um Sorriso (Ferreira Gullar/Ronaldo Motta)


Um sorriso


Quando
com minhas mãos de labareda te acendo
 e em rosa
embaixo te espetalas
quando
com o meu aceso archote 
e cego penetro a noite de tua flor 
que exala urina e mel
que busco eu 
com toda essa assassina fúria de macho?
que busco eu
em fogo aqui embaixo?
senão colher 
com a repentina mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
 que no alto o teu rosto ilumina ?

 Nas profundezas de nossa cultura androcêntrica , jaz  a figura do homem , o sujeito ativo que “come” , e a mulher, um objeto passivo : a que é “comida”. O que explica – por óbvio – o termo “gostosa” : redução grotesca da mulher a um reles objeto , que serve da cama  à  mesa, passando obviamente por toda a casa, de maneira serviçal, claro.

Neste poema de Ferreira Gullar, a flor mencionada é uma associação direta à genitália  feminina. O ser masculino é a representação  clara  do “modus  operandi” do poder , que privilegia e insere  o masculino como o sujeito da sexualidade , sobrando ao feminino a posição de objeto coadjuvante : “...a flor que exala urina e mel...” devidamente despetalada  pela  "...assassina fúria de macho..." , reverberação  desse “poder  macho”  subjacente,  inclusive na linguagem , reflexo social.

Ah ! Mas é o Gullar!  Sim, o poeta continua sendo um grande poeta , mas também exímio representante de seu tempo ; tempo esse que não parece ter mudado tanto assim. Os homens, hoje , ainda em sua maioria , parecem ter aprendido apenas que devem ter um discurso não machista, mas que não se sustenta na prática.




Porém, em se tratando de antropofagia (que aqui é mero eufemismo...),  o que mais se assemelharia a uma boca : o órgão masculino ou o feminino ?






Evidentemente, o feminino. Mas o homem parece ter uma necessidade gritante de encobrir tal fato . É como se  temesse ser  “engolido” ou , recorrendo a Freud, o medo inconsciente da castração.







Resumindo, quando vir homens dizendo que “comeram” fulana , bem, dentre outros sentimentos perfeitamente justificáveis – sinta pena -   também.  
Ao final e ao cabo...
...eles são frágeis...















Mary  Lúcia  Oliveira

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